Crise na saúde
Esclerose múltipla e a falta de medicação
Pelo menos 305 pessoas estão sem acesso ao Fingolimode, que deveria ser fornecido pelo Estado
Gabriel Huth -
A cada 24 horas sem medicação cresce a insegurança. Aos poucos os sintomas se acentuam e levam angústia aos portadores de esclerose múltipla no Rio Grande do Sul. Pelo menos 305 pessoas que recebem o Fingolimode por decisão judicial estão sem acesso ao remédio. É mais uma das consequências da dívida do Governo do Estado com fornecedores de medicamentos, que já chega a R$ 217 milhões. A Secretaria Estadual de Saúde garante que a distribuição irá ocorrer na próxima semana, mas não especifica data. Já a indústria EMS, que interrompeu o fornecimento, não menciona prazos.
Ao se manifestar por e-mail, no começo da tarde de quarta-feira, o laboratório vai direto ao ponto: “Em relação ao novo pedido efetuado no dia 16/02/2019, a empresa compromete-se a atendê-lo após quitação de valores retroativos em aberto.” A EMS, entretanto, não revela cifras nem o tempo a que as pendências se arrastam.
Quem se vê em meio às explicações oficiais, sem o remédio que ajuda a assegurar qualidade de vida, tem pressa. Muita pressa. É o caso do designer Jeferson Sigales que, ao conversar com o Diário Popular, já completava 13 dias sem o Fingolimode; o maior período sem as cápsulas desde que adotou este tratamento, em agosto de 2013. Dormências no lado esquerdo do corpo, dificuldade de equilíbrio, fadiga e dor de cabeça já eram alguns dos sintomas da falta da medicação.
E o pior: ao atingirem 14 dias sem o remédio, os pacientes precisam adotar os mesmos cuidados de quando passaram a tomar o imunomodulador. Está no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas de Esclerose Múltipla, de abril de 2018: “[...] os efeitos adversos sobre a frequência cardíaca e a condução atrioventricular poderão ocorrer após a reintrodução.” O acompanhamento médico torna-se, portanto, imprescindível.
“Estamos trabalhando no sentido de que o Ministério Público passe a penalizar os gestores”, destaca o designer, fundador da Organização Não Governamental (ONG) De Bem com a Vida Esclerose Múltipla. Para agilizar o acesso, Jeferson Sigales, 35, recorreu a advogado e encaminhou petição à Justiça, na manhã de ontem, para obter bloqueio de recursos do Estado e poder adquirir o Fingolimode. Afinal, é totalmente inviável comprá-lo. O orçamento de valor mais baixo indica: 28 cápsulas custam R$ 4.735,41.
A surpresa, entretanto, ficou por conta de uma caixa disponibilizada pela 3ª Coordenadoria Regional de Saúde (3ª CRS), no final da manhã de ontem, após esforço para remanejo de medicações em território gaúcho - explicou uma das integrantes da equipe. É uma liberação que está longe de significar solução e alívio às mais de 300 pessoas diretamente afetadas no Rio Grande do Sul. “Consegui a medicação, mas não luto só por mim. Já tenho defendido a ideia de que devemos entrar com ações judiciais coletivas”, reforça Sigales, que já viajou a diferentes cidades do país para participar de debates e contribuir na elaboração de documentos que garantam direitos dos portadores de esclerose múltipla.
A palavra da Secretaria Estadual de Saúde
A secretária Arita Bergmann assume o desabastecimento, mas argumenta que a situação está diretamente associada à dívida de R$ 217 milhões acumulada com laboratórios que forneceram medicamentos em 2018. “É algo impagável de uma única vez”. A nova gestão, portanto, estaria buscando o equilíbrio entre pagar gradativamente as pendências e fazer novas aquisições de remédios em 2019.
“É um processo que vai demorar algum tempo, mas queremos equalizar isso e estamos conseguindo”, assegura. O laboratório EMS, por exemplo, teria recebido pagamento parcial em janeiro e, em março, estaria programada uma segunda parcela. Será uma negociação permanente até que o Estado consiga abastecer a farmácia de medicamentos especiais e excepcionais - reforça Arita Bergmann. Para quem espera e vê os riscos de a doença deixar sequelas, a contagem do tempo extrapola horas e dias.
Saiba mais da doença
- A esclerose múltipla é uma doença inflamatória crônica e progressiva do Sistema Nervoso Central. É uma das enfermidades neurológicas mais comuns em todo o mundo. Em muitos países, é a principal causa de incapacidade em adultos jovens.
- Na fase inicial, em geral, os sintomas são bastante sutis. Como são transitórios, não raro, passam despercebidos. A pessoa pode passar de dois a três anos com pequenas alterações sensitivas, visão turva ou alterações no controle da urina, por exemplo, sem dar importância a esses sinais, justamente, porque aparecem e somem.
- Os períodos de calor intenso são inimigos dos portadores de esclerose múltipla. A cada 1ºC de alteração da temperatura corporal cresce em 28% a agressão dos sintomas.
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